segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Esporte Clube Santo André, o Ramalhão, completa 50 anos

Por Carlos A.B. Balladas

A minha história se cruza com a do querido Ramalhão em eventos e períodos intermitentes ao longo de minha vida.

O momento de maior emoção, incontestavelmente, foi assistir ao vivo a vitória do Esporte Clube Santo André sobre o Flamengo em pleno Maracanã, conquistando o título da Copa do Brasil de 2004. Estava lá eu, minha filha Natália e tantos outros, incluindo entre eles Wigand Rodrigues, o eterno presidente do Ramalhão. Com ele, ao final do jogo, pulamos alambrados do estádio, descemos e escadas e passamos pelos túneis do antigo estádio Mario Filho e fomos comemorar no gramado, juntamente com os jogadores o inédito título. Foi uma noite inesquecível.
O Ramalhão é uma criação do cartunista Juarez Corrêa. 

Neste ano, o Ramalhão completa 50 anos.

Foram muitos os amantes do futebol que colaboraram com o E.C. Santo André, um deles, sem dúvida, foi Jorge Lincon, tio deste que lhe escreve. Jorginho, como é conhecido, hoje pouco sai de casa, mas, por muitos anos, a partir da fundação do Ramalhão, foi um torcedor presente em todos os jogos e colaborador em inúmeros momentos de amargura financeira do time. As minhas mais remotas lembranças relativas ao time que leva o nome da cidade em que nasci é a voz do Jorginho gritando o nome do Ramalhão.

Entre tantos outros abnegados que mantém o nome do Esporte Clube Santo André no rol dos times em plena atividade destaco o de Celso Luiz de Almeida, que ocupa a presidência no momento. Um sujeito extremamente lúcido e pragmático, um perfeito contraponto aos românticos apaixonados que entusiasmam a todos nós, mas que, por vezes, levam uma instituição a zonas de turbulência.


O Ramalhão, como todos os times de futebol brasileiros, tem uma história de glórias e lágrimas. Um dos jornalistas que mais conhece a história ,e talvez o que mais escreveu sobre o Esporte Clube Santo André é Daniel Lima, cujo texto extraído de seu blog,o Capital Social, reproduzo abaixo com histórias e relatos de momentos importantes do time que leva o nome da cidade em que nasci.


Ramalhão festeja trajetória de 50 anos de resistência e glórias
DANIEL LIMA - 18/09/2017

O Santo André vai comemorar esta noite com um jantar os 50 anos que o separam do tiro de largada de uma história que está longe de terminar e que igualmente está longe de contar com enredo uniforme. Não faltarão narrativas. Faço a minha parte nesta edição de CapitalSocial. Escrevi em algumas horas no final de semana um total de 40 tópicos de lembranças como jornalista que acompanha o clube praticamente desde o primeiro jogo, em 1968, quando cheguei do Interior do Estado em cima de um caminhão de mudança. O Santo André se converteu numa das referências dessa região. Daí sempre dizer que se trata de acervo cultural que deveria receber muito mais atenção da sociedade como um todo.

Faço um apanhado da experiência profissional sem me preocupar com rigores cronológicos e tampouco com detalhismos. Fio-me na memória, nas consultas que fiz principalmente junto a duas ou três fontes. Acho que vale a pena acompanhar esse trabalho que se soma às quatro edições que o Diário do Grande ABC publicou nos últimos dias sobre a trajetória da agremiação.

Procurei dar tom de positivismo ao Santo André entre outros motivos porque a síntese desse cinquentenário não poderia ser diferente. Há questões que deixei de abordar porque a data não comportaria senões, mas não esqueço da emergência que vem de anos (o que só agrava a situação) no sentido de implementar programa de rejuvenescimento da diretoria e do Conselho Deliberativo sem que isso atropele quem está há mais tempo no clube. O que importa hoje é comemorar os 50 anos do Santo André. Uma história de resistência e glórias. Um desafio de representatividade à quase totalidade de representações sociais, econômicas e políticas da região que jamais foram submetidas a desafios permanentes que só o mundo do futebol é capaz de exigir.

 Lance derruba alambrado

O Santo André precisava vencer o Saad na última rodada do primeiro turno da então Segunda Divisão para garantir-se na final do campeonato no respectivo grupo. Eram 49 minutos do segundo tempo quando o Estádio Lauro Gomes (Anacleto Campanella nestes dias) virou um pandemônio. O árbitro Dulcídio Wanderley Boschilia marcou uma falta na entrada da área. Lance, ex-Corinthians, acertou no canto. Um a zero para o Santo André. A torcida que lotava o estádio numa quarta-feira, dia útil, derrubou parte do alambrado do gol de entrada para abraçar o atacante. Confusão. Dez minutos depois o jogo recomeçou para terminar em seguida. O alambrado fora reposto, improvisadamente, pela própria torcida enlouquecida.

 Sensibilidade pró-baixinhos

Silvio Pirillo, centroavante que fez fama quer pelo Flamengo, quer pela Seleção Brasileira, chegou para ser técnico de um Santo André ruim dos cofres e com elenco recheadíssimo de meninos saídos da várzea. Olhou para o elenco, fez o primeiro coletivo e vaticinou: com o volante Fernandinho, os meias-atacantes Arnaldo e Bona e o centroavante Da Silva, todos de baixa estatura, seria impossível usar a força num campeonato em que se consagrava a máxima de que não havia espaço a talentos técnicos. Foi assim que se criou o que chamei nas páginas do Diário do Grande ABC de “Baixinhos Frenéticos”. Um dos melhores meios de campo da história do Santo André. A bola fluía de pé em pé, sempre rasteirinha, sempre contundente.

Sobrevivência a qualquer custo

José Amazonas, então executivo da Cofap, indústria de autopeças vendida tempos mais tarde, também fora deputado estadual. Estava presidente do Santo André no começo dos anos 1970. Pretendia transformar o clube financeiramente numa espécie de eletrocardiograma de atleta. Mais que estabilidade financeira, sonhava com a formação de talentos. Esgotado com a falta de colaboradores, marcou assembleia-geral na sede da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) para homologar a decisão de fechar o clube. Havia ambiente favorável à medida. Ele só não contava com o fundador e ex-presidente Wigand Rodrigues dos Santos, que se levantou, fez discurso inflamado e jogou na lata do lixo toda a razoabilidade econômico-financeira e estrutural do clube.

Tapa na cara da sociedade

O Santo André de meados dos anos 1970 parecia mesmo fadado a desaparecer. O presidente Wigand Rodrigues dos Santos, funcionário público de segundo escalão que desde os tempos de juventude desfraldava bandeiras, ideias e ações comunistas, já não sabia o que fazer. Socialista, decidiu dar um tapa na cara da sociedade: deflagrou uma campanha de coleta de papelão e outros badulaques para arrecadar fundos que amenizassem a crise financeira.

De entulho a poliesportivo

O presidente Jairo Livolis assumiu o Santo André em crise que ia além das finanças. O prometido Poliesportivo do Parque Jaçatuba, lançado pelo antecessor Germano Schimdt, não passava de entulhos sobreposto. O projeto de retirar o estigma do Santo André de clube de 11 camisas estava fadado ao fracasso. Não havia perspectiva. Jairo Livolis consultou alguns dirigentes mais abastados do clube e, principalmente com o apoio do ex-presidente Breno Manoel Gonçalves, garantiu recursos para reiniciar as obras. E prometeu entregar o poliesportivo em tempo recorde. Na data marcada, em 1992, o Santo André recebia convidados para comemorar um patrimônio que o colocou num novo patamar de inserção esportiva e social.

Senadinho de Bosísio

Hilário Bosísio era um torcedor e conselheiro do Santo André dividido entre paixão enlouquecida e senso crítico próximo ao envenenamento. Dono de um estabelecimento comercial na esquina da Rua das Monções com a Rua das Figueiras, no Bairro Jardim, o Hilários‘Bar, recebia com frequência quase diária assemelhados em amor pelo clube e pela cornetagem. Muitas decisões importantes do Santo André foram tomadas ou inspiradas naquele ambiente. Até determinada hora fluíam ideias saudáveis para os acertos de que a agremiação necessitava. Mas, depois de muitos aditivos etílicos, os frequentadores já não deveriam ser levados a sério. Não havia presidente do clube com juízo no lugar que não frequentasse o bar do Hilário com regularidade. A expressão “Senadinho” reproduzia o poder daquele grupo.

Um presente de irmão

Adãozinho era um volante com habilidade suficiente para, de vez em quando, aparecer no ataque. Quando chegou ao Santo André por empréstimo para disputar a Segunda Divisão de 2001 poucos acreditaram. Era ídolo no vizinho e rival São Caetano. O adversário tradicional se sensibilizou com o interesse do Santo André e o cedeu de graça. Até os salários do jogador o São Caetano aceitou pagar. A rivalidade dentro de campo não contaminava as duas direções. Adãozinho marcou de pênalti, já no período de descontos, o gol que levou o Santo André à Primeira Divisão do ano seguinte. O Ituano jogava pelo empate.

Torcida de arrepiar

A torcida do Santo André tomava a arquibancada do Estádio Palestra Itália. Contrapunha-se aos flamenguistas que lotavam o extremo oposto do estádio palmeirense que, nestes tempos, refeito por investimentos privados, se transformou no Allianz Parque. Dividir um estádio com os flamenguistas já seria demais, mas impor-se também no apoio, com gritos de incentivo, significaram momentos inimagináveis. Tudo isso neste século, em 2004, quando futebol virou negócio e a audiência da TV faz dos clubes de massa, como o Flamengo, opção preferencial a novos torcedores.

Invasão do Pacaembu

Em 1979 o Santo André ficou próximo de subir à Primeira Divisão. Disputou o quadrangular decisivo. Venceu o Catanduvense no Estádio do Pacaembu, mas perdeu o acesso automático porque o São José superou o Taubaté no Parque Antártica, na mesma noite. Em seguida, o Santo André jogou com o Marília, que ficara em último lugar na Primeira Divisão. Eram tempos do chamado “rebolo”, que significava o confronto do último colocado da divisão superior com o segundo colocado da divisão inferior. Para compensar em parte a frustração do duplo prejuízo, o Santo André ficou na história como o clube fora da Capital que mais levou torcedores ao Pacaembu. Foram mais de 20 mil pagantes numa noite de quarta-feira. Só mais tarde, na final da Taça Libertadores contra o Olímpia do Paraguai, o São Caetano superou a marca, com 40 mil pagantes anunciados.

Ulysses, o salvador

Santo André e Saad empatavam no Estádio Bruno Daniel e o jogo já ultrapassara a 43 minutos do segundo tempo. O clássico com o representante de São Caetano mantido pelo empresário Felício Saad valia classificação à etapa seguinte de uma competição oficial (Torneio 25 de Janeiro) da Federação Paulista de Futebol. A torcida já se preparava para deixar a arquibancada coberta (o setor descoberto só seria construído mais adiante) quando Ulysses, um meio-campista que compensava a lentidão com colocação sempre precisa e chutes fulminantes, balançou a rede.

Jogo da vingança

No primeiro turno em Taubaté o Santo André perdera o jogo na catimba do adversário. A arbitragem beneficiou o time da casa. A violência fora de campo também assustou. Até um cachorro foi morto. Criou-se um ambiente de revanche exacerbada ao jogo de volta no Estádio Bruno Daniel. Durante a semana caprichamos nas páginas do Diário do Grande ABC para motivar a torcida. Exageramos na dose. O Estádio Bruno Daniel fervia de raiva naquela tarde. Temia-se o pior. Um gol no segundo tempo e a vitória do Santo André eliminaram o risco de consequências desagradáveis. Provavelmente jamais na história o Santo André tenha vivido uma comunhão de retaliação ao adversário tão preocupante.

Uma goleada mágica

Santo André e Aliança sempre disputaram jogos equilibradíssimos. A equipe de São Bernardo, que fez muito sucesso no Desafio ao Galo, um torneio de equipes amadoras transmitido pela televisão, era uma seleção de talentos. Tanto que saiu da várzea para o profissionalismo e alcançou grandes resultados. Aquele clássico marcado para o Estádio Bruno Daniel não seria diferente, menos por um detalhe: os baixinhos frenéticos (Fernandinho, Arnaldo, Bona e Da Silva) viveram coletiva e individualmente uma combinação de inspiração e transpiração. O Aliança dirigido pelo técnico Antônio Schank viera para inibir a força do adversário no meio de campo. Avançara a marcação defensiva para encurtar os espaços no setor. Deixou espaços a contragolpes. O resultado de quatro a zero resumiu o tamanho do rombo tático e técnico. Os baixinhos frenéticos enlouqueceram a torcida. Especialmente o artilheiro Da Silva, um centroavante com habilidade para jogar fora da área, construindo jogadas e penetrando em velocidade com a bola colada aos pés. O mesmo Da Silva que jogou no Santos dos bons tempos e também fez carreira em Portugal.

Distribuidor de rifas

Para se manter num futebol de poucas alternativas de receitas e, principalmente, sem um calendário que favorecesse continuidade de atividades ao longo dos anos, o Santo André sempre recorreu a campanhas especiais. O presidente Breno Manoel Gonçalves marcou passagem como um dos mais importantes dirigentes do clube entre outras razões porque estimulou a divisão de responsabilidades pelos recursos financeiros. Dono de concessionária em São Paulo, Breno promovia permanentes rifas a cujo ganhador era reservado um veículo zero quilômetro. O dirigente morto no começo dos anos 2000 ficava com a maioria das cartelas para dar exemplo de compromisso com o clube. Não havia quem entre conselheiros deixasse de se empenhar nas vendas. O lucro era potencializado porque o veículo saia a preço de custo.

Invencibilidade detonada

A campanha do Santo André na Segunda Divisão de 1995 foi perfeita na fase classificatória. Acumulou invencibilidade de 24 jogos, dos quais 12 vitórias e 12 empates. Tudo parecia delineado para a equipe finalmente voltar à Primeira Divisão. Mas aí, no quadrangular decisivo, no jogo com o Ituano, no Interior, o arbitro José Roberto Godoy distribuiu cartões amarelos e vermelhos aos borbotões ao Santo André. Minou a força coletiva da equipe que tinha no atacante Jorginho um dos pontos de equilíbrio. A derrota foi fatal. O Santo André continuou na fila do Acesso.

Rebaixamento vira acesso

Não havia quem fosse otimista para negar as evidências: o Santo André estava mal das pernas, sem esquema tático confiável, com jogadores desacreditados, e cada vez mais caindo literalmente na tabela. Já flertava com a zona de rebaixamento. Até que contratou o técnico Toninho Cecílio, um especialista motivacional capaz de no curto prazo reestruturar uma equipe a ponto de torná-la prova viva de que tudo é possível no futebol. Pois foi com Toninho Cecílio e um sistema tático ultradefensivo, guerrilheiro, pragmático, que o Santo André chegou em oitavo (e última vaga) ao final da fase classificatória e, nos jogos de mata-matas seguintes, destruiu todos os adversários, inclusive o campeão de pontos até então, o São Caetano, e chegou ao título contra o Mirassol fora de casa. Tudo isso em 2015.

Luta pelo Acesso

A luta do Santo André pelo acesso é rotina que se pratica dentro de campo por conta da instabilidade de rendimento das equipes que prepara a cada temporada. Subir para cair e subir de novo faz parte da história do Santo André. Mas a regulamentação da Lei do Acesso no futebol paulista se deve muito ao então presidente do clube, Wigand Rodrigues dos Santos. Ele não se conformava com o que chamava de falta de objetivo para quem entrava em campo e não constava da lista dos clubes de elite do futebol paulista. Até eventos ligados à temática foram realizados em Santo André. O título da Segunda Divisão de 1975, contra o Grêmio Catanduvense, foi uma frustração fora de campo porque não habilitou o Santo André à Primeira Divisão. Tudo estava no regulamento, mas não faltou pressão de Wigand. Até que, antes que aquela década se encerrasse, a FPF introduziu a medida. O Santo André só subiu em 1981.

Uma troca providencial

Era preciso dar um choque no elenco. O empate em casa na penúltima rodada com o Botafogo da Paraíba fora um desastre. Jogara a definição do acesso à Série B do Campeonato Brasileiro de 2003 para Campina Grande, contra o Campinense. Havia duas vagas em disputa. Um empate ou uma derrota seria fatal. O presidente Jairo Livolis não teve duvidas: trocou o sempre cauteloso técnico Luiz Carlos Martins, hoje no São Caetano, pelo tempestuoso e muitas vezes imprevisível Luiz Carlos Ferreira. O Santo André substituiu um congelador por um micro-ondas tático três dias antes da decisão da vaga. Deu certo. De virada, venceu de dois a um e caiu nos braços do povo ao regressar da Paraíba naquele final de 2003. Um desfile em carro aberto dos de bombeiros foi saudado pela população no trajeto até o Estádio Bruno Daniel.

Quem ganhou, ganhou

Quando o técnico Sebastião Lapola foi contratado para dirigir o Santo André na Segunda Divisão de 1981, uma frase se fez ouvir e ganhou manchetes de jornais: “Quem ganhou, ganhou, quem não ganhou não ganha mais”. Se pecou pela originalidade, a máxima virou profecia. O ex-zagueiro que durante muitos anos jogou no Ramalhão, levou a equipe ao título do Acesso. Acabou com uma longa fila de espera que poderia ter sido abreviada em 1975 se o título da competição valesse mais que apenas cada ponto disputado.

Zombando dos palmeirenses

O centroavante Nunes não perdoou a torcida do Palmeiras que lotava naquele começo de 2003 o Pacaembu na final da Copa São Paulo de Futebol Junior. Depois de marcar um gol que decidiu a disputa de pênaltis e levou a equipe a conquistar um título inédito, comemorou em forma de zombaria. Imitou um porco. Nunes o fez não só pela vibração natural de artilheiro: carregava no peito e jamais negou uma paixão pelo São Paulo, time pelo qual jamais chegou a vestir a camisa. A conquista da Copa São Paulo coroava o trabalho de formação de valores no próprio clube. O Projeto Jovem Santo André dava frutos, mesmo com todos os percalços financeiros e estruturais.

Troca de distintivo

O empresário Acyr de Souza Lopes fez em meados dos anos 1970 o que somente os pouco ajuizados aceitariam: diante do desespero do presidente Wigand Rodrigues dos Santos, que não via mais perspectiva para evitar a dissolução do clube, aceitou a presidência. Fez exigências e tomou as devidas cautelas. Até o dístico do clube, semelhante ao oficial do Município, foi trocado. Entraram estrelas do Cruzeiro do Sul, réplica do Cruzeiro de Belo Horizonte. O verde e o amarelo originais da fundação do Santo André foram trocados em campo pelo azul e branco que prevalecem até hoje. E o Santo André Futebol Clube virou Esporte Clube Santo André. Tudo em nome da sobrevivência.

Claudio Coutinho de olho

Souza era um meio-campista elegante. Tinha passadas largas e certa disposição de ingressar na área adversária. Era lento a olhos leigos. Ajudava a defesa, arrumava o meio de campo e ainda encontrava tempo para atacar. Nos dias de hoje, em que jogadores comuns viram craques nas mãos de empresários espertos e dirigentes prontos a dar satisfação à torcida, Souza teria uma carreira de exportação. Hernandes, do São Paulo, passou pelo Santo André discretamente, jogando como lateral-esquerdo. Não tinha o talento de Souza nem para jogar sem bola. Souza impressionava de todas as formas. Claudo Coutinho, então técnico da Seleção Brasileira, manifestara interesse em tê-lo na equipe. O treinador morreu afogado e Souza jamais chegou ao estrelato mais que anunciado. Um dos maiores craques da história do Santo André hoje é técnico do São Bernardo Futebol Clube.

Maior artilheiro da equipe

Foram 63 gols no Santo André. Tulica era um centroavante forte, alto. A mobilidade restrita era compensada com a arte de posicionar-se sempre bem, principalmente fora do raio de ação dos zagueiros de área e, também, metendo-se defesa adentro a fim de confundir a marcação. A quem caberia a responsabilidade individual de contê-lo quando se enfiava entre os zagueiros? Tulica cabeceava como poucos. Aliava estatura e impulsão. Chegou a jogar no Fluminense. A bebida entrou na vida de Tulica como um zagueiro truculento a agredi-lo permanentemente. Morreu aos 60 anos depois de passar algum tempo como professor de equipes de base do Santo André. A elegância de centroavante que evita o choque como sobrevivência na área não é comum nestes tempos em que o futebol virou negócio. Tulica parecia jogar em câmara-lenta. Apenas uma impressão que ele mesmo tratava de desfazer dando o golpe fatal em forma de gols ou de passes caprichados a algum companheiro sempre livre.

Recordista em jogos

Arnaldo ou Arnaldinho, tanto faz. Esse ex-meia-atacante que disputou o maior número de jogos pelo Santo André, 470 em 10 anos, compôs com Fernandinho, Bona e Da Silva o quarteto mais fantástico da história do clube. Eles se entendiam no olhar. Ocupavam espaços democrática e inventivamente construídos durante cada jogo, embora aperfeiçoados nos treinamentos. Pareciam nascidos para jogarem juntos, como irmãos siameses em dobro. Arnaldinho era menos criativo do que persistente, técnico, concentrado. Foi criado no próprio Santo André. De ponta-direita virou meia-atacante. Frequentava mais o setor à direita. Era uma espécie de falso ponteiro. Fez 50 gols com a camisa do Santo André. Geralmente da entrada da área. Sobretudo por unir precisão e colocação, em vez de força.

Clube dos clubes

Talvez o Santo André tenha cometido pecado capital ao não explorar uma verdade histórica que poderia ser sempre catapultada como marketing à multiplicação de apoio. A fundação do clube há 50 anos sob a luz de velas na Praça 18 do Forte, na sede do Tiro de Guerra, contou com maciça participação de representantes de clubes amadores da cidade. Todos mobilizados pelo então presidente da Liga de Futebol, Wigand Rodrigues dos Santos. A chuva forte com queda de energia prenunciava futuro de contratempos e de superação. “Clube dos clubes” de Santo André, o representante da cidade no futebol profissional poderia usar mais essa máxima para voltar às raízes que o concebeu.

Conselho da Salvação

Quando o empresário Acyr de Souza Lopes decidiu deixar o Santo André na segunda metade dos anos 1970, o fantasma do encerramento de atividades voltava a ameaçar o clube. Foi aí que entrou em campo o chamado Conselho da Salvação, formado emergencialmente por grupo de torcedores e conselheiros que se reuniam no Bar do Hilário. Eram tempos em que uma equipe de futebol não custava tanto quanto agora, mas, em contraposição, as alternativas de receitas eram limitadíssimas. O marketing praticamente não existia no futebol. A televisão ainda não descobrira o futebol como filão de audiência de investimentos publicitários. Do Conselho de Salvação saiu o nome de Celso Vidal Lara, presidente de uma cooperativa de consumo mais tarde incorporada pela Coop. O Santo André salvara-se mais uma vez do obituário.

Caravanas de torcedores

Em 1981 – e também dois anos antes, quando chegara ao quadrangular final – o Santo André levou mais de 70 mil torcedores aos cinco jogos que disputou na Capital na fase final regional e na fase final estadual da Segunda Divisão. Dois contra o Paulista de Jundiaí e três contra o XV de Piracicaba. A mobilização que jamais se repetiu contou com o apoio de empresários de ônibus da cidade, dois dos quais ligados ao clube, casos de Lourival Passarelli e Duílio Pisaneschi, que, em seguida, em eleições regulares ou de forma interina, assumiram a presidência do clube. No terceiro jogo da final contra o XV de Piracicaba, numa noite de quarta-feira, compareceram mais de 16 mil torcedores, a maioria de Santo André.

Tradição do hino

Quando o Santo André derrotou o Flamengo em pleno Maracanã na final da Copa do Brasil de 2004 não faltaram jornalistas para documentar com estupefação uma tradição que o clube já exibira em tantas outras situações, embora menos retumbantes. Jogadores, comissão técnica e dirigentes abraçados nos vestiários a cantar integralmente o hino do clube. Uma comunhão que resiste ao tempo e às substituições no elenco. Cantar o hino nos vestiários é doutrina do clube. Uma cláusula pétrea informal, porque não consta do estatuto. Passa-se ao longo de cada ano a cultura daqueles versos entoados pela primeira vez durante as comemorações do título do Acesso à Primeira Divisão de 1981, de autoria do maestro José da Conceição, morador de São Bernardo. “Santo André do coração, és dos clubes o maior, uma equipe de valor para defender nosso futebol”...

Resistência à política

O Santo André jamais deixou de passar por sobressaltos econômicos. Mas sempre encontrou saída providencial. O peso da emoção sempre se fez presente. E resistiu bravamente à partidarização política, embora não fechasse e não pudesse fechar as portas aos administradores públicos. A direção do clube jamais foi entregue à política. Aproximou-se dos mandatários de plantão para contrabalançar, de alguma forma, a desvantagem da proximidade dos grandes clubes da Capital em preferência popular. Contar com o Poder Público como parceiro de jornada sem entregar a rapadura do comando do clube é uma das virtudes dos dirigentes que durante todo esse tempo comandaram o Ramalhão.

Torcida resiliente

Nos anos 1970 o Velho Borracha, negro sempre alegre, simbolizava a torcida do Santo André. Depois vieram Esquerdinha e outros integrantes de torcidas organizadas. A resiliência do Santo André em manter-se vivo nas arquibancadas, mesmo com todos os entraves, é um fenômeno. O Velho Borracha traiu o clube ao bandear-se para o Saad, de São Caetano, é verdade. Mas é uma exceção à regra. Sem mídia de massa para alçar a equipe ao noticiário diário, como as equipes de Campinas e de outras regiões com retransmissoras de televisão de veículos nacionais, o Santo André encontra dificuldade adicional ao adensamento de torcida. O calendário para quem não está no circuito da Confederação Brasileira de Futebol também cerceia a expansão popular. Mesmo assim o Santo André conta com a maior torcida da região. Comprovadamente. O São Bernardo viveu período de anabolismo sustentado por empresas que compravam ingressos distribuídos gratuitamente nas periferias, sempre com o apoio do Poder Público.

Extremos presidenciais

O Santo André viveu a partir de 2007 e durante cinco anos um regime de privatização comandado pelo empresário Ronan Maria Pinto, presidente do Diário do Grande ABC. Nesse período, a direção do Santo André ficou restrita ao Parque Poliesportivo. O presidente Jairo Livolis imaginou espécie de terceirização controlada pelo clube para potencializar recursos financeiros de um grupo de investidores. Faltou combinar com Ronan Maria Pinto que, em pouco tempo, enlaçou todo o poderio do Ramalhão. Foi o melhor presidente da história do clube dentro de campo – levou a equipe à Série A do Campeonato Brasileiro – mas também o pior dentro de campo – o time foi seguidamente rebaixado até ser excluído do circuito nacional. Ao final da jornada, o Esporte Clube Santo André voltou para o comando de origem. As dívidas financeiras ficaram para o Saged – Santo André Gestão Empresarial e Desportiva.

Uma ponte cultural

Ainda não se chegou ao estágio de integração desejada – embora não tenham faltado tentativas mesmo que pouco estruturadas – mas o Santo André é a única agremiação da cidade representado nas duas metades de um Município que ainda conserva ranços de divisionismos entre o primeiro e o segundo subdistrito. Com o Estádio Bruno Daniel na Vila Pires e o Parque Poliesportivo no Parque Jaçatuba, a agremiação construiu uma ponte cultural pouco explorada como elemento de marketing.

Formação de atletas

São inúmeros os jogadores formados na base do Santo André ou que chegaram ao clube desconhecidos. Ricardo Goulart é um deles, assim como Antônio Flávio, Makelelê, Pará, Williams, Richarlyson, Alex Bruno, Rodrigo Sá, Júnior Costa, Nunes, Fábio Reis, Ramalho, Adauto, Fábio Santos e tantos outros. Para um clube que não conta com o benefício de televisão de massa e que está instalado numa região à sombra da maior capital brasileira, o trabalho de revelação de jogadores exige muito mais esforço diretivo. Disputar a principal competição estadual do País – na qual a equipe está inserida à próxima temporada, assim como participou da competição deste ano – é imprescindível. Mas seria bem melhor se o calendário do segundo semestre reservasse uma vaga na Série B do Campeonato Brasileiro, antessala privilegiada dos agentes profissionais em busca de revelações.

Só atrás do Timão

Quando disputou a Série B do Campeonato Brasileiro em 2008 o Santo André então presidido por Ronan Maria Pinto viveu grandes momentos. Tanto que na classificação final só ficou atrás do campeão Corinthians. Superou inúmeros clubes de prestígio. A equipe ganhou 68 pontos, um a mais que o Avaí, que ficou em terceiro. Marcou 71 gols (contra 79 do Corinthians de Mano Menezes) e sofreu 45 (contra 29 do Corinthians e 40 do Avaí). Marcio Mixirica foi o artilheiro da equipe com 13 gols. O artilheiro do campeonato foi Tulio Maravilha, do Goiás, com 24 gols. No ano seguinte o Ramalhão voltou à Série B ao ficar em 18º lugar na classificação da Série A, com 41 pontos ganhos -- mais que os 38 do Náutico e os 31 do Sport Recife e menos que os 45 do Coritiba, todos rebaixados.

Recuperação fantástica

O Santo André que disputou a Série B do Campeonato Brasileiro de 2004 perdeu o equivalente a 17,39% dos pontos em disputa por conta de escalação irregular de um jogador em dois jogos, detectada pela CBF. A competição com 24 equipes foi disputada em três fases, a primeira das quais de classificação. Os seis últimos colocados foram rebaixados automaticamente à Série C. Ao perder 12 dos 69 pontos em disputa, o Santo André ficou com a corda no pescoço. Os 12 pontos equivaleriam a 20% do total do Brasileiro da Série B deste ano, de 20 equipes e disputa de 38 jogos em dois turnos. No caso do Santo André, foi uma catástrofe ainda maior: foram disputadas apenas 23 rodadas. Ao final da etapa de classificação o Santo André somou 29 pontos. Ficou três acima do Remo do Pará, que abriu a zona de rebaixamento. Com os 12 pontos perdidos fora de campo, teria somado 42. Tanto quanto o Ituano, quarto colocado, e ficaria apenas quatro abaixo do Brasiliense, que liderou a etapa. Não fosse o contratempo, teria disputado a etapa seguinte. E mesmo com 12 pontos a menos ficou a apenas um do Anapolina, oitavo colocado e classificado à segunda fase. Seria pedir demais que superasse também essa barreira.

O título dos títulos

Seria chamado de maluco de pedra quem ousasse algum dia em qualquer circunstância, mesmo numa festa regada a muita cachaça, dizer que o Santo André seria campeão nacional diante do Flamengo num Maracanã lotado. Naquele 30 de junho de 2004 está registrada a maior de todas as façanhas do clube: vitória de dois a zero contra os cariocas na decisão da Copa do Brasil. O Santo André juntava-se ao Criciúma e mais tarde o Paulista de Jundiaí acrescentara-se à lista de campeões improváveis da segunda competição mais importante do calendário nacional. O jogo transmitido ao vivo pela Globo colocou definitivamente o Santo André no mapa nacional de futebol. Sobretudo porque venceu um adversário com entranhamento popular nos mais remotos vilarejos do País. O técnico Péricles Chamusca e o auxiliar-técnico Sérgio Soares, que acabara de encerrar a carreira de médio-volante, sabiam que o Flamengo teria forças físicas esgotadas no segundo tempo. E não deu outra. No primeiro jogo, no Parque Antártica, o empate de dois a dois parecia encaminhar o título ao Flamengo.

Vice-campeonato lamentado

O Santo André conquistou o vice-campeonato em 2010 da Primeira Divisão de São Paulo (Série A ou Séria A2) numa memorável final diante do Santos dos emergentes Ganso e Neymar. Mas a atmosfera de frustração nos vestiários e nas arquibancadas prevaleceu, em contraste com a festa santista. Um gol mal anulado pela bandeirinha impediu que a desvantagem de três a dois no primeiro jogo se convertesse em vitória por dois gols de diferença na revanche. Um chute de Rodriguinho na trave, no último lance do jogo, deu mais dramaticidade à frustração do Santo André.

Dois pênaltis perdidos

O lateral-direito Robertão jogava com tamanha elegância que não seria exagero se, no mesmo horário em que defenderia o Santo André, resolvesse desfilar como manequim. Alto, forte, Robertão sugeria estar em profissão errada até que a bola rolasse. Tinha a calma de monge budista, passadas largas de panteras, senso de colocação dos bons observadores e ainda finalizava com força. A frieza o tornava referencial quase de exceção numa equipe de futebol que, como a maioria, move-se numa mistura de adrenalina e sensibilidade para entender os desígnios da bola. Robertão entrou para a galeria do Santo André como um dos maiores laterais da história. E também porque, num jogo com o MAF de Piracicaba, pela Segunda Divisão, perdeu duas penalidades máximas, defendidas pelo goleiro. Uma praticamente seguida da outra. Ele caminhou em direção à bola como se estivesse numa passarela. Chutou sem muita potência nas duas vezes. Deixou o gramado ao final do jogo em que o Santo André venceu o adversário como se nada ocorrera. Parece não haver outro registro em 50 anos de clube de caso semelhante. Perder dois pênaltis num mesmo jogo é uma façanha.

Baixada de reforços

O Santo André dos primeiros tempos mantinha relações próximas com o Santos. Sempre que precisava de reforços para disputar a Segunda Divisão, lá estavam alguns jogadores emprestados. No fundo, os santistas usavam o Santo André para experimentar talentos que brotavam na Vila Belmiro. Jogaram no Santo André Pitico, Murias, Nelsi (mais adiante jogador do Cosmos de Nova York), Djalma Duarte, Toninho Vieira e tantos outros. O conselheiro Paulo Roberto Dias, advogado em Santo André, intermediava as transferências temporárias. Na medida em que o Santo André decidiu investir na formação de jogadores o fluxo se reduziu. Na Série A do Paulista deste ano havia um representante da operação Planalto-Baixada, o meia-atacante Serginho. Aos poucos o Santo André percebeu que investir em matéria-prima de terceiros pode resolver ou minimizar problemas momentâneos, mas não guarda nenhuma relação com o médio e o longo prazos.

Veteranos famosos

O Santo André também utilizou ao longo dos tempos jogadores veteranos de grandes clubes paulistas e brasileiros. Marcelinho Carioca é a estrela mais recentemente contratada, durante a gestão do presidente Ronan Maria Pinto à frente da Saged, empresa que privatizou o Santo André durante cinco anos. Luiz Pereira, Wladimir, Zé Carlos Santista, Marcio Fernandes, Galeano, Bigu e tantos outros aparecem na lista de reforços. Havia subliminarmente outra mensagem, além de reforço técnico, para trazer jogadores que ganharam manchetes durante muitos anos: atrair torcedores de times grandes da Capital que ainda não tinham despertado interesse pelo Santo André. A nova face do futebol em que investimentos na base podem gerar recursos financeiros com o aproveitamento de talentos na equipe principal reduziu a modalidade de custos sem perspectiva de retorno financeiro.

Neneca milagreiro

O Santo André que chegou ao titulo de vice-campeão da Série B do Campeonato Brasileiro de 2008 tinha Marcelinho Carioca como grande estrela. Mas o herói do campeonato atuava no gol: Neneca. O desempenho do goleiro, que nos últimos anos passou a defender o Botafogo de Ribeirão Preto com destaque semelhante, pesou consistentemente nos resultados. Leiam um trecho do que escrevi nesta revista digital em 17 de março de 2009: “A velha máxima de que uma grande equipe começa com um grande goleiro é mais que perfeita no caso do Ramalhão: Neneca é impressionantemente bom há três temporadas. Não há outro jogador no elenco, mesmo Marcelinho Carioca da temporada passada no Brasileiro, muito melhor do que no Paulista, que lhe chegue aos pés. (...) Mesmo assim, para amenizar as dificuldades defensivas, Neneca é insuperável e a explicação para o fato de a equipe ter uma das defesas menos vazadas”.





Nenhum comentário:

Postar um comentário