segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Nossa Constituição é uma mulher adulta

Por Andréa Tartuce

Neste mês celebramos os 30 anos da promulgação da nossa Constituição Federal, nosso principal símbolo do processo de redemocratização nacional.

Olho para nossa Constituição como quem olha para um adulto crescido e vê a lembrança de um recém-nascido. Três décadas de uma Carta Magna que nasceu em um contexto pós ditadura, cheio de repressão e autoritarismo. Eram tempos mais duros...

Os mais de 20 anos galgados no período de exceção, amargamente testemunhados por cada cidadão da época, inspiraram a produção de uma Constituição mais justa. Todas as dores sofridas precisavam estar prevenidas ali. Talvez por isso ela tenha nascido tão parruda, com tanto peso. A desigualdade social, o fim da tortura, do autoritarismo, a defesa da democracia, tudo estava nela.

Foto: Divulgação
Tratou também de se proteger com cláusulas que dificultavam sua mutilação e por já imaginar o quanto seria atacada, criou as cláusulas pétreas para guardar o que lhe era mais precioso. Boa mãe, escreveu de forma definitiva que “a criança é prioridade absoluta” e positivou uma gama de direitos fundamentais.

Então, em 5 de outubro de 1988, estabeleceu-se a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa. Queríamos construir uma sociedade livre, justa e solidária.

Como madrinha, a nossa Constituição, também chamada de Carta Cidadã, tinha a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que já havia consolidado a dignidade como inerente a qualquer membro da família humana, em 1948.

Na verdade, sua construção foi um processo aberto onde diversos intérpretes atuaram na construção da pluralidade. Mas trinta anos depois, temo que esta jovem tenha envelhecido mal. Já tivemos mais de 100 Emendas para atender necessidades diversas.

Ouço, a todo o momento, brados pedindo um novo texto Constitucional, pois este está “muito desatualizado”. Será que mudamos tanto assim? Será que, ao contrário do que se tem da sabedoria, os anos não consolidaram nossos valores, mas os modificaram? A dignidade da pessoa humana deve ser relativizada?

Adaptações são bem-vindas, sempre. É preciso se reinventar, mas também é preciso guardar a essência, o que faz de nós um povo, uma Nação. Abandonar o que foi tão custoso alcançar, e pior, o que sequer conseguimos implantar, me parece uma prova de imaturidade, não da Constituição, mas da sociedade ou parte dela.

Será que o tempo nos fez mal? Sopro as velinhas desta amiga que completou seus 30 anos e desejo profundamente que não.

*Andréa Tartuce é advogada, psicopedagoga, mestranda em Direito Acadêmico (Linha "Justiça e o Paradigma da Eficiência"), especialista em Direito Público Global, coordenadora da ESA-Santo André e secretária-geral da OAB Santo André para o triênio 2016-2018.


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