*Por André de Almeida
A dificuldade de lidar com situações complexas e que parecem intratáveis faz com que muitas vezes as pessoas ou sociedades tentem negar os fatos, os quais, claro, não deixam de existir.
A fábula do rei nu, ou a referência à suposto costume do avestruz de esconder a cabeça na areia sempre que a realidade não lhe agrada são exemplos de como a cultura popular ironiza esta tendência.
O documentário vencedor do Oscar,
An incovenient truth, sobre o aquecimento global, também trata objetivamente de nossa inclinação coletiva a ignorar problemas que demandam efetiva mudança de paradigmas.
Atualmente vivenciamos no Brasil uma crescente escalada ao desrespeito, pelos atores corporativos, relativamente aos interesses dos acionistas de grandes companhias (particularmente aquelas com participação estatal).
Em verdade, dois dos maiores litígios atualmente existentes no País decorrem diretamente do fato da ausência de adoção de práticas mínimas de boa gestão corporativa, em detrimento dos interesses dos acionistas que simplesmente não aceitaram ver seus direitos indevidamente vilipendiados.
O primeiro deles refere-se à indenização aos investidores locais da Petrobras, devido aos prejuízos incorridos em virtude dos fatos revelados pela Operação Lava Jato, que já geraram inclusive um acordo para a reparação dos investidores no exterior. A questão já foi judicializada e aguarda solução por parte do Poder Judiciário, ainda pouco adaptado a solução de litígios de tal complexidade.
Mais recentemente, intensa discussão de trava no tocante à legalidade da recuperação judicial da OI S.A., a maior em curso no País, questionada pelos acionistas com base em suspeitas de fraude e corrupção por parte da atual Diretoria, as quais serviram de base para notícia crime perante o Ministério Público Federal e que aguardam a instauração de procedimento investigatório para sua apuração.
A necessidade de adoção de medidas fiscalizatórias por parte das autoridades competentes é inequívoca e qualquer omissão, neste estágio, seria inaceitável, quando não ilegal.
Além do mais, adotando salutar tendência do ativismo societário, os prejudicados estão tomando todas as iniciativas cabíveis na defesa de seus interesses e também naqueles da companhia.
Neste caso, especificamente, se objetiva obstar atitudes que coloquem em risco a sobrevivência da companhia e garantir que os atuais acionistas não tenham suas participações indevidamente diluídas por conta de irregular lançamento de títulos no exterior.
É exatamente por tais razões que os acionistas prejudicados, por meio da Associação dos Acionistas Minoritários - AIDMIN estão adotando todas as providências cabíveis, inclusive perante as jurisdições estrangeiras competentes, para o enquadramento e apuração das práticas tidas como ilegais.
Tais exemplos denotam, acima de tudo, uma mudança de atitude essencial para o desenvolvimento de nosso cenário corporativo e para sua evolução ética e acreditamos o Brasil, mirando os fatos de frente, precisa resolver internamente os problemas corporativos existentes em nossa economia.
É o mínimo que se espera das autoridades, dentre as quais aquelas do Poder Judiciário, para que não mais seja necessário recorrer a jurisdições estrangeiras para, por via oblíqua, impor limites desmandos ocorridos no Brasil e que, por sua gravidade, desbordam para outros países.
O desenvolvimento econômico do país assim exige e devemos assumir de forma consciente a responsabilidade pela criação de um ambiente corporativo mais desenvolvido e mais ético. Trata-se de um objetivo que demanda honestidade e coragem para enfrentarmos nossas mazelas, seja a insuficiência do arcabouço legal existente para a solução de tais litígios, inabilidade dos poderes constituídos em oferecerem soluções apropriadas quando demandados.
Nossa verdade inconveniente é que, em paralelo à corrupção no setor público, os atos de banditismo corporativo estão recrudescendo e não podemos ignorar esta realidade.
Precisamos, coletivamente, tirar a cabeça da areia.
*André de Almeida é advogado, fundador do Almeida Advogados, ex-presidente da FIA – Federação Interamericana de Advogados e autor da primeira ação Class Action contra a Petrobras nos Estados Unidos.