sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

“O discurso de PEC humanitária, de combater privilégios, não existe”, afirma especialista sobre a reforma da Previdência

Por Vivian Silva

O presidente Jair Bolsonaro entregou nesta última quarta-feira (20) a proposta de reforma da Previdência na Câmara dos Deputados. Durante o pronunciamento, Bolsonaro afirmou que a reforma será justa, sem privilégios, mas não é o que acontecerá na opinião de alguns especialistas, como a advogada Adriane Bramante de Castro Ladenthin, que é presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

A advogada e presidente do IBDP, Adriane Bramante, afirma que a população brasileira será prejudicada, se as novas regras previdenciárias forem aprovadas | Foto: divulgação 
A advogada foi categórica ao afirmar que: “O discurso de PEC (Proposta de Emenda Constitucional) humanitária, de combater privilégios, não existe”.  Em entrevista exclusiva ao jornal Ponto Final, a especialista comentou alguns pontos da proposta e espera que o texto não seja aprovado no Congresso, “porque a população brasileira não merece”.

O texto elaborado pelo governo propõe idade mínima para aposentadoria de 65 anos para homens, e 62 anos para e mulheres, além de um período de transição, no Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Porém, a idade mínima para a aposentadoria poderá subir em 2024 e depois disso, a cada quatro anos, de acordo com a expectativa de vida dos brasileiros.

Com a nova proposta, a aposentadoria apenas por tempo de contribuição deixaria de existir. Vale ressaltar que o texto não inclui militares (cujas aposentadorias são “generosas”), bombeiros e policiais militares. As Forças Armadas devem receber uma proposta específica. A seguir alguns pontos comentados pela advogada e presidente do IBDP.

Ponto Final (PF) - O que mais chamou sua atenção nesta reforma previdenciária, proposta pelo governo?
Adriane Bramante (AB) - Achei extremamente dura, muito ruim para a população de uma forma geral, ela é muito mais drástica do que a PEC 287 do ex-presidente Michel Temer, ela vem muito mais enrijecida, inflexível, tira direitos conquistados ao longo dos anos da Constituição Federal, joga para uma lei complementar, que a gente não sabe qual será, então, na verdade tudo que está na PEC é transitório, até que se crie uma regra, que será definida por uma lei complementar e isso é muito ruim, porque deixa os direitos muito vulneráveis. Quando um direito está na Constituição, para ele ser modificado, é preciso de todo um processo legislativo mais rígido, tem que ser aprovado por dois turnos em cada Casa do Congresso, tem que ter 3/5 do total de senadores, do total de deputados, enquanto uma lei complementar é a maioria absoluta de quem estiver ali presente no dia da sessão.

Então, é muito mais difícil, isto causa muita insegurança, porque estão sendo aprovadas algumas regras transitórias, três, quatro regras. A regra de transição da aposentadoria por tempo de contribuição, nós temos ali três regras, que não são definitivas e tudo que for aprovado ali pelo Congresso, pode ser ainda modificada por uma lei complementar, porque a PEC chancela ao poder Legislativo depois uma lei complementar, que vai regulamentar tempo, idade, cálculo e vários outros critérios de benefícios e de Previdência, então, isto deixa bastante fragilizado o direito do segurado. Eu não vejo com bons olhos.

PF - Na proposta da nova reforma previdenciária a aposentadoria apenas por tempo de contribuição deixa de existir. Qual sua opinião sobre isto?
AB - Eu não acho que seja ruim, acho que o Brasil caminha para isso, é uma tendência mundial, vários países só têm aposentadoria por idade, não tem por tempo de contribuição. Mas a questão é a regra de transição que ficou extremamente curta e vai pegar muitos trabalhadores que estão chegando muito perto da aposentadoria. A pessoa que aposenta por idade, hoje, se aposenta com pelo menos 85% da média (salarial), na PEC vai se aposentar com 60% da média, então, um idoso completou 65 anos e tem direito hoje vai pegar 85% da média da aposentadoria, outro vai completar (65 anos) a semana que vem, aí saiu a PEC, vai ter 25% de redução da média em relação a esse. Então, não foi criada uma regra de transição do cálculo, a partir da publicação da emenda, ela já começa a valer.

PF – A aposentadoria para pessoas que trabalham em condições insalubres também tem alterações. Atualmente, o tempo de contribuição varia entre 15, 20 ou 25 anos. Na nova proposta, a pontuação (soma da idade + tempo de contribuição) é alterada, podendo chegar a 99 pontos. O que a senhora acha desta mudança? 
AB - Coitados! As regras são tão rígidas que praticamente inviabilizam o direito ao benefício, porque o que eles fazem: eles pegam a aposentadoria especial e tiram o direito a conversão de tempo, que é o ajuste de tempo quando eu não tenho 25 anos (de contribuição), tenho só 10 anos, por exemplo, de trabalho com insalubridade, eu faço uma conversão de tempo em condições especiais (insalubre) e o tempo em condições comum. (A proposta) acaba com essa conversão, ou tenho 25 anos ou eu não tenho direito a computar este período como especial, ele passa a exigir que haja uma efetiva exposição a agentes nocivos.

Há duas regras transitórias, porque na verdade será apresentada uma lei complementar a regulamentar isto. Na primeira regra, que é por pontos, por exemplo, o mineiro de subsolo tem que ter 66 pontos (idade + tempo de contribuição), se ele precisa de 15 anos de contribuição, com 66 pontos, ele tem que ter pelo menos 51 anos de idade, o de 20 anos, tem que ter 76 pontos, e o de 25 anos, 86 pontos, ou seja, eu tenho que ter 61 anos de idade. E vai aumentando, porque os pontos vão até 89, 93 e 99, fica pior do que a regra permanente.

Ou ele tem que ter a idade mínima, hoje não tem idade mínima, com 25 anos (de contribuição) a maior parte de pessoas se aposentam. Com a reforma, ele vai ter que ter 60 anos de idade. Nada está tão ruim, que não possa piorar! A regra traz o seguinte, a partir de 2024,  a cada quatro anos, vai aumentar a idade prevista na regra permanente, conforme o aumento da expectativa de sobrevida, então, se a expectativa de sobrevida aumentar em 1 ponto percentual, aquela idade de 62, 65 anos, será 63, 66 anos e depois 64... aquela pessoa que pensa, hoje, vou me aposentar com 65 anos, não, ele vai se aposentar provavelmente com 68, 70 anos. Não tem limite isso.




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