Por Reinaldo Dias, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas. Sociólogo, Mestre em Ciência Política e Doutor em Ciências Sociais. É especialista em Ciências Ambientais
A área de proteção Cananéia-Iguape-Peruíbe foi criada em 1984 e se localiza no litoral sul do estado de São Paulo. A área de proteção foi criada tendo com a premissa básica de que os recursos naturais que a formam constituem uma reserva estratégica fundamental de biodiversidade. Constitui uma das regiões de maior riqueza biológica de aves do planeta e abriga centenas de espécies de mamíferos, répteis e anfíbios, alguns em risco de desaparecimento. Entre as espécies ameaçadas de extinção estão: a onça-pintada (Panthera onca), o Mono-carvoeiro (Brachyteles arachnoides), o papagaio da cara roxa (Amazona Brasiliensis) e o jaó-do-litoral (Crypturellus noctivagus).
A área representa uma das maiores concentrações de porção contínua de vegetação preservada da Mata Atlântica, sendo considerada uma das reservas naturais de maior diversidade genética do mundo. Sua importância foi reconhecida pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) que a considera, desde 1992, Reserva da Biosfera e desde 1999 como Sítio do Patrimônio Histórico Natural da Humanidade.
Na região ocupada pela área de proteção encontra-se a cidade de Peruíbe cujo território está incluída em sete unidades de conservação ambiental, em especial a Estação Ecológica de Juréia-Itatins, que é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral voltada para preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas. Possui inúmeras espécies endêmicas e aves migratórias que utilizam as áreas protegidas para reprodução.
Peruíbe é uma Estância Balneária e seu desenvolvimento está associado ao turismo de veraneio, ao comércio e serviços. O município é considerado um dos melhores destinos ecoturísticos do mundo por integrar a riqueza da mata atlântica ao patrimônio histórico-arqueológico da área e à cultura de comunidades de caiçaras, quilombolas e índios Guaranis, que praticam atividades artesanais como meio de sobrevivência, entre elas a pesca e o extrativismo.
No entanto, uma ameaça paira sobre esta área de proteção ambiental, o projeto de construção de uma usina termelétrica a gás pela empresa Gastrading, com a justificativa da necessidade de atender a demanda energética da baixada santista e de geração de empregos.
Usinas termelétricas utilizam combustíveis fósseis e são consideradas fontes importantes de emissões atmosféricas que podem afetar a qualidade do ar na região onde se localiza. A combustão que ocorre nos projetos termelétricos emite dióxido sulfuroso (SO2), óxidos de nitrogênio (NOx), monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2) e particulados diversos. Esses gases contribuem para a precipitação de chuva ácida que acelera a deterioração de edifícios e monumentos; altera radicalmente os ecossistemas aquáticos e prejudica a vegetação de mata nativa. Além disso, os gases contribuem para o aumento do efeito estufa na atmosfera, que causa o aquecimento global.
O sistema de esfriamento dessas usinas emprega um alto volume de água que, ao serem devolvidas ao meio ambiente, elevam a temperatura da água natural, alterando significativamente as comunidades de plantas e animais que vivem no meio aquático, favorecendo os organismos que se adaptam a temperaturas mais elevadas. Qualquer método de esfriamento que se utilize implica em algum consumo de água.
Há inúmeros impactos negativos advindos da construção de usinas termelétricas que são provenientes das atividades de preparação do local, movimento de terras, drenagem, dragagem de áreas úmidas, desmatamento e a construção de aterro sanitário.
Outro impacto importante das termelétricas se relaciona com a afluência de trabalhadores durante o período de construção. São necessários milhares de trabalhadores que durante alguns anos, se estabelecem no local e posteriormente são reduzidos a centenas para a sua operação. O crescimento rápido e o desenvolvimento induzido podem gerar efeitos negativos importantes na infraestrutura existente no município. De qualquer modo, a afluência de trabalhadores de outras regiões mudará os modelos demográficos e alterará os valores socioculturais e os costumes de vida locais.
São inúmeros os aspectos negativos da implantação de usina termelétrica em área ambiental de valor inestimável, mas o mais significativo é o risco que passa a existir da possibilidade de acidentes. Por mais garantias que possam existir, a possibilidade sempre existirá e basta um para que o ambiente limítrofe seja afetado de forma irreversível.
Não há argumento que possa justificar a construção de uma usina que coloque em risco um patrimônio da humanidade, uma reserva da biosfera de reconhecimento mundial. No mudo todo há um movimento crescente no sentido de abandonar a utilização de combustíveis fósseis e substituí-los por fontes renováveis de geração de energia. Persistir na construção da usina termelétrica em Peruíbe é condenar as futuras gerações a lidar com um problema que, ainda, podemos evitar.
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