quinta-feira, 8 de junho de 2017

Muito a se fazer!

Por Maria Cristina Pache Pechtoll, feminista, mestra em Administração e especialista em Políticas Públicas, Justiça e Autonomia das Mulheres

O patriarcalismo e o racismo estão presentes no cotidiano de todos(as) os(as) brasileiros(as): nas relações familiares, profissionais, acadêmicas e instituições, provocam violência e são dimensões que acirram a atual estrutura desigual, seja ela simbólica ou explícita, mas não menos perversa, da sociedade brasileira.

O conceito de interseccionalidade “trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, a interseccionalidade trata da forma como ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento” (Crenshaw, 2002, p. 177).

O Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, estudo do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada de 2015 nos fornece dados essenciais para entender as causas das desigualdades que afetam a população negra do Brasil, mas em especial as Mulheres Negras. 

No Brasil a população negra é de 54%, de acordo com a autoclassificação das pessoas, somadas as classificações de cor preta e parda (IBGE). A desigualdade entre a população branca e negra é escandalosa. Vejamos: proporção de extremamente pobres: brancos 1,6%, negros 3,6%; pobres: brancos 2,0%, negros 5,3%; vulneráveis à pobreza: brancos 42,7%, negros 61,1%. Dados desagregados por gênero: Mulheres extremamente pobres: brancas 1,6%, Negras 3.7%; pobres: brancas 2,0%, negras 5,5%; vulneráveis à pobreza: brancas 42,0%, negras 62%. As mulheres negras estão em maior número na pobreza, configurando a base da pirâmide da desigualdade socioeconômica.

Ao analisarmos os arranjos familiares, contata-se que em 40% dos domicílios as mulheres são as pessoas de referência, como chefes de família, sendo que em 66% das famílias as mulheres não têm cônjuges e têm filhos/as, encontrando-se, muitas vezes, em maior risco de vulnerabilidade social, já que a renda média das mulheres, especialmente a das mulheres negras, continua bastante inferior não só à dos homens, como à das mulheres brancas. Rendimento Médio Mensal no Trabalho Principal da População Ocupada de 16 anos ou mais de idade, Homem branco: R$ 2.509,7, Mulher branca: R$ 1.765 (70% da renda do homem branco), Homem negro: R$ 1434,13 (57% da renda do homem branco), Mulher negra: R$ 1.027(48 41% da renda do homem branco).

Os avanços educacionais são importantes: média de anos de estudo das pessoas de 15 anos ou mais de idade: mulher branca 9,1 anos de estudo; homem branco 8,9 anos; mulher negra 7,7 anos; homem negro 7,2 anos. No entanto, a existência de fortes segmentações no mercado de trabalho diminui significativamente o retorno do investimento em educação para as mulheres. A desigualdade fica mais grave quando se relaciona a renda com os anos de estudos, pois mesmo tendo mais tempo de escolaridade as mulheres, em especial as negras, ganham menos que os homens. Outro dado alarmante é quanto ao analfabetismo, do total de mulheres analfabetas 70% são negras.

Mais um indicador que escancara o machismo e o racismo é a taxa de desocupação. Essa é uma dificuldade maior para as mulheres que para os homens. Em 2015, a taxa de desocupação feminina era de 11,6% – enquanto a dos homens foi de 7,8%. No caso das mulheres negras, a proporção chegou a 13,3% (a dos homens negros, 8,5%). 

A qualidade dos empregos também demonstra as opressões e benefícios, as mulheres negras apresentam maior participação em ocupações com baixo prestígio e menor remuneração, o que fica nítido no caso dos empregos domésticos que é a ocupação de 18% das mulheres negras e de 10% das mulheres brancas no Brasil em 2015. Com respeito a carteira assinada, também pode ser encontrada a desvantagem das negras em relação às brancas, apesar de constituírem o maior grupo entre as domésticas, 29,3% das trabalhadoras negras tinham carteira assinada em 2015, comparadas a 32,5% das brancas.

Sobre o tema de Mulheres Negras e a violência no Brasil, os dados continuam escandalosos. Além da violência doméstica e familiar, o racismo é outro fator preponderante para colocar a vida das mulheres em risco no Brasil. Alguns índices que demonstram que as mulheres negras são a maioria das vítimas:

- 58,86% das mulheres vítimas de violência doméstica são negras (Balanço do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher/2015;
- 53,6% das vítimas de mortalidade materna (SIM/Ministério da Saúde/2015);
- 65,9% das vítimas de violência obstétrica (Cadernos de Saúde Pública 30/2014/Fiocruz);
- Duas vezes mais chantes de serem assassinadas que as brancas (Taxa de homicídios por agressão: 3,2/100 mil entre brancas e 7,2 entre negras – Diagnóstico dos homicídios no Brasil. Ministério da Justiça/2015).
- Entre 2003 e 2013, houve uma queda de 9,8% no total de homicídios de mulheres brancas, enquanto os homicídios de negras aumentaram 54,2% (Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil – Flacso, OPAS-OMS, ONU Mulheres, SPM/2015);
- 56,8% das vítimas de estupros registrados no Estado do Rio de Janeiro em 2014. (Dossiê Mulher RJ – ISP/2015).

Na Saúde a desigualdade provocada pela interseccionalidade gênero/raça/classe não é diferente. O número de mortes maternas provocadas por intercorrências vem diminuindo entre as mulheres brancas e aumentando entre as negras. De 2000 para 2012 as mortes por hemorragia entre mulheres brancas caíram de 141 casos por 100 mil partos para 93 casos. Entre mulheres negras aumentou de 190 para 202 (Dados da Secretaria de Política para as Mulheres).

Com este pequeno panorama das lacunas vistas pela ótica da interseccionalidade, pode-se concluir que o desenvolvimento sustentável de um país só é possível quando se conhece as causas reais dos problemas de sua população e a partir da análise dos processos que contribuem para a desigualdade se desenvolvem políticas públicas efetivas. Para isso não se pode prescindir da perspectiva de gênero, raça e classe, de forma transversal, para ressignificar as políticas públicas, perpassando todas as áreas de atuação como educação, saúde, trabalho e renda, habitação, desde sua formulação até os mecanismos de avaliação.



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