Por Eduardo Kaze
Mestre e graduado em Geografia pela USP e professor do ensino médio e superior há 27 anos no ABC e São Paulo, Ricardo Alvarez (PSOL) foi leitor crítico nas Orientações Curriculares para o ensino médio em Ciências Humanas e suas Tecnologias, na disciplina de Geografia, do Ministério da Educação e Cultura (MEC), além de autor de material didático para Educação de Jovens e Adultos. Na política, atuou como vereador pelo PT por dois mandatos em Santo André e, após intensa luta contra o que chama de "degradação programática que se abatia sobre partido", filiou-se ao PSOL em 2005. Em 2008, candidatou-se a prefeito de Santo André em 2008, não se elegeu, mas obteve mais de 7 mil votos. Hoje, empreende nova campanha e se firma como pré-candidato ao cargo de chefe do Executivo Andreense.
Na entrevista exclusiva que se segue, Alvarez apontou como um dos problemas primordiais da cidade a desigualdade social. Falou sobre a redução das secretarias e dos cargos comissionados na Prefeitura e garantiu que continuará atuante na luta pela redução das tarifas nos ônibus da cidade.
Alvarez é pré-candidato a prefeito em Santo André | Foto: Eduardo Kaze |
Ponto Final: Hoje, quais são os principais problemas de Santo André?
Ricardo Alvarez: Temos demandas diferentes, conforme a classe social. Por exemplo, para a elite de Santo André, a questão da Segurança pesa muito. Mas quando abordamos as classes mais pobres do município, podemos afirmar que Saúde e Mobilidade são problemas muito significativos. Se fossemos dividir por segmentos a sociedade, Segurança, Saúde e Mobilidade aparecem no top como os problemas mais urgentes.
PF: Como o senhor pretende, seguindo a linha do pensamento de esquerda, conciliar essas demandas de classes e realizar sua administração, caso seja eleito?
RA: Uma prefeitura deve olhar para todos os segmentos da sociedade. Porém, ela deve ter prioridades. No PSOL, chamamos de inversão de prioridade: se olharmos para Santo André, no Centro, vemos que é uma área da cidade que possui toda a infra-estrutura instalada. Temos muitas linhas de ônibus, o asfalto está bem cuidado, as praças também; o atendimento voltado à água e o esgoto funcionam bem, assim como o sistema de coleta de lixo. Isso é um objetivo que deve ser alcançado na cidade inteira, pois em alguns lugares de Santo André não se tem sequer água encanada e rede de esgoto. Ou seja, é muita desigualdade. Para reverter isso, é parte de nosso objetivo realizar o que no PSOL chamamos de governo democrático popular, cujo fundamento é tornar a cidade mais igual, pois quando se tem uma cidade mais igual, grande parte de outros problemas sociais acabam sendo minimizados. Ampliando a igualdade, as pessoas, por exemplo, tendo mais acesso à educação, à cultura, os problemas de saúde reduzem. A mesma coisa quando a pessoa mora numa residência com água encanada, rede de esgotos, ou seja, um local salubre. A redução da desigualdade reflete, ainda, na redução dos problemas de segurança.
Então, nosso objetivo central é este: a inversão da prioridade, investindo nas áreas mais carentes do município, buscando uma cidade mais igual, pois, uma cidade mais igual é uma cidade mais saudável.
PF: O senhor considera essa ação possível na atual circunstância nacional, ou seja, com pouco investimento por parte do governo federal nos municípios?
RA: É o tipo de ação que deve ser feita em todas as esferas, municipal, federal e estadual. Imaginemos o seguinte quadro: PSOL ganha em Santo André enquanto temos o governo Temer em Brasília, que não tem qualquer preocupação social, é evidentemente mais difícil. Agora, se temos governos mais compromissados com a mudança social, com a igualdade e com a justiça, esse caminho avança com mais vigor. O PSOL tem essa luta nacional, estadual e municipal. Para a esquerda, a questão da desigualdade é algo muito claro. De qualquer forma, independente de quem vai estar no governo estadual e federal, aqui no município pretendemos agir no sentido da redução da desigualdade social.
PF: Como isso pode ser realizado na prática, e como essas demandas serão encaminhadas dentro de seu plano de governo?
RA: Vamos apresentar nosso programa, em 17 de julho, na Câmara Municipal de Santo André, o lançamento de nossas pré-candidaturas. Nessa ocasião, vamos dar uma amostra de nosso plano de governo, que está previsto para ser lançado publicamente no início de agosto. Ele terá diversas novidades. Estamos absorvendo experiências de gestão pública de outros países para aplicarmos em Santo André, por exemplo, a questão da participação popular. Para nós, existe um modelo de gestão liberal que falhou no País: você elege um governante que surge como o 'salvador da pátria', propondo milagres, e é, ainda, uma gestão distante. Queremos o contrário, como acontece em vários lugares do mundo. Essa proximidade é, não somente possível, como necessária. É preciso acabar com essa coisa de que o prefeito é o salvador da pátria. O prefeito é só mais um da cidade, com defeitos e qualidades. A participação popular é fundamental e as grandes mudanças só podem ocorrer a partir desta prática, para que o cidadão tenha condição de cobrar ações de seus governantes. A população da periferia tem que tomar para si a tarefa de agir, em massa, junto da Prefeitura, no sentido de deslocar partes do orçamento para as necessidades de suas regiões.
A questão da gestão do orçamento é também primordial. Hoje, Santo André vive um momento muito difícil, temos um processo de endividamento alto no município, uma demanda social elevada e, para contribuir com isso, economicamente o País está em crise muito significativa, complicando este quadro. Como se isso tudo não bastasse, temos ainda a perda de PIB (Produto Interno Bruto) de Santo André, que é algo que ocorre no Brasil inteiro, mas afeta com mais força municípios industrializados. Os governos do PT não tiveram uma política de desenvolvimento industrial. O modelo deles foi apoiado em agronegócio, exportação, matéria bruta e pouco valor agregado, enquanto deveriam ter empreendido uma reforma, nacional, na Educação, deviam ter qualificado a mão de obra, tornando a escola um espaço de aprendizado e desenvolvimento de Cultura. Isso serviria de alavanca. Acho que, claro, devem ser tomadas medidas, mas o incentivo do desenvolvimento industrial é essencial. Santo André tem uma perda de valor industrial muito grande, e isso é um prejuízo significativo para as contas do município.
PF: E na circunstância atual, como proceder para equilibrar essas contas?
RA: Temos que mexer no orçamento. Propomos um corte abrupto em cargos comissionados e nas secretarias. O número está sendo estudado, mas queremos que o número de secretarias não seja muito superior a cinco, e cada uma delas com um número reduzidíssimos de cargos em comissão, totalizando entre 60 e 80, que representa cerca de 12% do que temos hoje na Prefeitura. O poder público tem que estar ancorado na valorização do servidor público municipal. Esse modelo com vinte secretarias, mais um monte de cargos comissionados, apenas para gerar maioria na Câmara dos Vereadores, esfarelou.
PF: O PSOL tem uma militância muito ativa em relação ao transporte público em Santo André. Como isso seria encaminhado em seu governo?
RA: Arrisco dizer que, nos oito anos em que exerci o cargo de vereador, fui um dos mais atuantes em relação à área do Transporte. Apesar de ser professor, acredito que mais em relação ao Transporte que à Educação. E o que percebi: hoje, quando você entra em um ônibus em Santo André, paga a passagem e faz o seu trajeto, existe um "X", que é uma incógnita, pois os empresários não abrem suas planilhas, que é um custo político; e um "Y", que é uma composição técnica, voltada à infraestrutura, manutenção dos veículos etc. É possível que Santo André elimine este "X", este custo político, reduzindo a tarifa sem perder qualidade. Para isso, é necessário que nas campanhas ocorra um desvinculamento dos candidatos com os empresários de ônibus, que dão dinheiro para os candidatos, que gastam, se elegem e, aí, quem faz o roteiro dos ônibus? Os empresários! Quem define o preço da tarifa? O empresário. Então, lanço uma pergunta para os leitores: por que a tarifa de ônibus em alguns municípios do ABC é igual, se temos trajetos diferentes, realidades diferentes, com condições diferentes em relação ao asfalto, inclinação das ruas etc.? Qual a matemática que leva a planilhas que resultem em tarifas iguais, senão a atuação dos empresários? E esse é o preço político que devemos eliminar, o PSOL não tem rabo preso com empresários de ônibus. Se ganharmos, vamos falar grosso com os empresários de ônibus, pois quem paga o preço político é o trabalhador e, como falamos sobre a mobilidade e a necessidade de práticas melhores para este setor, demanda principal das classes mais baixas, reduzir as tarifas é melhorar a vida do trabalhador.
PF: Como o senhor considera que o momento político atual, nacional e estadual, influenciará nas eleições municipais?
RA: Vamos experimentar uma eleição como nunca vista. Há um lado positivo e um negativo. Primeiro, que o País viveu nos últimos três anos, aproximadamente, o retorno da política. O governo pós FHC (Fernando Henrique Cardoso) foi o predomínio do econômico. Aquela coisa de neoliberalismo, privatizar, estado mínimo, etc., e isso provocou um aumento da pobreza e da miséria. Veio, então, o governo Lula e Dilma, que não mexe na estrutura do País, mas aplica alguns programas sociais compensatórios, melhorando um pouco a condição de vida, mas sem mexer nas estruturas. E o pouco que mexeu levou a elite para as ruas, para reclamar dos programas como Bolsa Família, de cotas etc. Eu vejo um lado positivo: o país é dividido, mas antes isso existia e essas pessoas tinham receio de ir à rua. Mas isso sempre existiu. Essa direita fascista que temos hoje no Brasil já estava aí, mas ela não falava no Facebook, não pedia, na rua, a volta dos governos militares, não reclamavam dos pobres e dos negros. Acho bom que as pessoas venham a público e saibamos quem é quem. O lado negativo é que essa cisão política no País fez emergir uma facção de extrema direita profundamente raivosa, agressiva, xenófoba, chauvinista e misógina que tem uma noção exclusiva de nação: o país é meu espelho, e quem não é do meu espelho você mata, bate, expulsa, e isso é um problema que acredito que vai influenciar muito as eleições.
PF: Como seu partido se comportará em termos de aliança com outros partidos?
RA: Vamos sair com uma chapa pura em Santo André. Minha vice será Tatiana Landi, arquiteta e urbanista, que faz uma campanha corajosa, já que está grávida e será mamãe em dezembro.
Temos orgulho de ter em nosso programa de governo a coordenação do Bruno Daniel.
Obs.: Espaço aberto a todos os candidatos aos cargos eletivos de 2016. Interessados em apresentar suas ideias e propostas aos leitores do Ponto Final escrevam para redacao@pfinal.com.br
ótima entrevista!
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