Não é de hoje, argentinos demonstram mais capacidade interpretativa de fatos políticos, sobretudo históricos, que brasileiros. Não trata aqui de fazer mera comiseração em relação aos “hermanos”, mas admitir a maturidade dos vizinhos em conduzir o processo político, como ficou demonstrado na eleição presidencial, domingo passado (22), seja pelo debate acalorado da campanha, mas especialmente, pela maneira civilizada de aceitar o resultado, tão apertado quanto o nosso, de 2014.
Mas o fato mais significativo desta maturidade argentina em relação aos fatos políticos veio dos jornalistas do La Nación, um dos periódicos mais importantes ao País. No dia seguinte à vitória de Mauricio Macri, oposicionistas, os editorialistas do matutino defenderam que, a partir de agora, seria possível haver um processo punitivo aos carrascos da ditadura militar (1976-1983) “com menos vingança” do que o ocorreria até então, sob a batuta da ainda presidente Cristina Kirchner.
A opinião dos editorialistas do La Nación – sob o título ‘No Más Venganza’ (Chega de Vingança) – foi prontamente repudiada pela redação do jornal. Com diversas faixas de repúdio ao editorial pró-militarista, os profissionais demonstraram não concordar com a posição dos chefes, numa afronta direta a quem tenta, 30 anos depois, relativizar os males sociais causados por uma ditadura militar. Prontamente, os jornalistas do La Nación entenderam que qualquer forma de amenizar governos autoritários é uma afronta à Democracia que vivenciam.
Infelizmente, não é a mesma posição de alguns profissionais do jornalismo, como de outras áreas, no Brasil, que não só são coniventes com este movimento ridículo e hipócrita de “volta dos militares”, como em certas ocasiões relativizam toda a tragédia deixada por um golpe que mutilou uma geração inteira no País, relegando a atividade política ao status de “terrorismo”, como ocorreu a partir de 1964, com a deposição de um presidente legitimamente eleito e os anos seguintes de chumbo.
No ano passado, quando o Golpe Militar completou 50 anos, em parceria com o site A Provincia, do jornalista Cecilio Elias Netto, este matutino publicou relatos de “presos políticos” que, aqui mesmo, nesta pacata terra interiorana, foram detidos sem qualquer motivo e sofreram com represálias e torturas. Aqui mesmo, em Piracicaba, aconteceram o Salão Internacional de Humor e o Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) à revelia de interesses de alinhados ao regime. O que demonstra que na cidade também rondava o terror. Relativizar os males de uma ditadura para duvidar de desafios democráticos é um crime de lesa-pátria. Sem contar, uma total falta de consciência política.
Uma sociedade civilizada não se faz com armas, com tanques nas ruas, com toque de recolher, mas com liberdade de debate, com ampliação constante de espaços democráticos para que a população seja protagonista das decisões políticas. Qualquer proposta que reprima o direito do cidadão neste sentido é um retrocesso político e social. Mais uma vez, os argentinos – desta vez, especificamente, os jornalistas do La Nación – dão uma aula de postura política e olhar histórico ao Brasil.
Publicado originalmente na edição de 26/11 em A Tribuna Piracicabana.
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