Documentário
“O Mercado de Notícias” traça olhar crítico sobre o jornalismo contemporâneo e
discute os rumos da profissão
Por Nilton Carvalho
Depoimentos
de jornalistas do nosso tempo dividem espaço com trechos da peça The Staple of News |
Na feira popular, frutas, legumes e hortaliças
atraem olhares da clientela. A mercadoria é parte fundamental na engrenagem do
capitalismo, gostemos ou não. Hoje quase tudo está à venda, inclusive notícia,
seja ela veiculada em jornais, revistas, emissoras de tevê, rádio ou internet. Ao
propor uma reflexão sobre a produção jornalística atual, o documentário O Mercado de Notícias, de Jorge Furtado,
que estreou na última sexta-feira (8), mostra que selecionar conteúdo
informativo atualmente é tarefa árdua, e que às vezes banana pode estar sendo comprada
no lugar de alface – e vice-versa.
No filme elaborado por Furtado, depoimentos
de jornalistas do nosso tempo dividem espaço com trechos da peça The Staple of News, escrita em 1625,
pelo dramaturgo inglês Ben Jonson, cuja temática é ambientada em meio ao
surgimento da imprensa. O tal mercado noticioso, à época em que começou a publicar
suas primeiras linhas no início do século XVII, na Europa, curiosamente era
mais ficcional do que real. Ao observar o ambiente informativo atual, é
possível encontrar resquícios da ficção usada em outros tempos, se considerarmos
que fatos são aumentados, distorcidos e até mesmo inventados.
A função primária do jornalista, de
maneira bem resumida, é narrar um fato com clareza para informar as pessoas. Mas,
no caso do Brasil, no momento em que os principais meios de comunicação ficam
concentrados nas mãos de pequenos grupos, a missão do jornalismo esbarra em
alguns obstáculos, e a informação passa a se relacionar perigosamente com o
lucro. Surgem então interesses econômicos e políticos que interferem diretamente
no produto final: a reportagem – oferecida ao consumido diariamente.
Compreender esse mecanismo explica o motivo pelo qual determinados assuntos
ganham ampla cobertura, enquanto outros simplesmente são ignorados. Pior ainda
é a prática que se tornou comum, e infelizmente reproduzida por uma parcela da
população, de destruir reputações para minar determinados grupos sociais,
principalmente os que passaram a ter voz e direitos nos últimos anos.
Mais do que analisar o jornalismo atual,
O Mercado de Notícias alerta para um
tipo de cobertura midiática extremamente perigosa, baseada na forma-mercadoria
da imagem, no espetáculo, o mesmo criticado por Guy Debord na célebre obra A Sociedade do Espetáculo, e no “na
tela”. É assustador perceber que o processo de edição de reportagem, em algumas
das grandes redações da imprensa nacional – ou seja, veículos lidos por muitas
pessoas –, o uso indevido das aspas (depoimentos) seja prática rotineira,
apenas para tornar mais espetacular determinada história (verdadeira ou não).
Se o erro grotesco é reprovado pelos manuais de jornalismo, por outro lado é
venerado por meia dúzia de chefões nos jornais.
Não se trata de direcionar um olhar carregado
de pessimismo, mas questionar, por meio da identificação de erros, com o
objetivo de gerar reflexões sobre o que virá no futuro. E o documentário
resgata causos interessantíssimos, como o registrado em 2010, quando uma
bolinha de papel, arremessada em um dos candidatos à presidência, virou uma
série de outros objetos, e pior, a conclusão precipitada de identificação do
agressor não considerou as imagens captadas, que desmentiam o que foi veiculado
e publicado à época. O que dizer então sobre o “furo” de reportagem, amplamente
divulgado em 2004, que denunciava a existência de uma obra original assinada
pelo artista Pablo Picasso em um prédio do INSS, adornando caprichosamente o
local administrado pelo governo. Na realidade, o quadro era uma réplica,
daquelas que se compra em qualquer esquina.
Embora o sentimento apocalíptico
prevaleça após assistir ao documentário, é possível observar brechas nesse
sistema engessado com o qual nos deparamos diariamente no noticiário nacional. Vale
fazer menção ao professor Milton Santos, que certa vez disse que na hegemonia estabelecida
também há espaço para a contradição – ou, neste caso, o simples fazer diferente.
Por mais que algumas linhas editoriais se mantenham propensas a fazer
jornalismo de baixa qualidade, o tratamento da informação ainda está
exclusivamente nas mãos e no talento do jornalista, e é ele quem deve olhar
para si e refletir sobre os rumos do seu trabalho, cujo papel é fundamental na manutenção
de uma sociedade democrática e justa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário