Em tempos conturbados como o que estamos vivenciando, em que muito se diz, mas pouco corresponde à realidade, é importante reafirmamos a premissa básica do agronegócio brasileiro, que é, para todos os fins, buscar sempre o aprimoramento de seus processos produtivos, garantindo alimentação, saúde e empregos à população brasileira – e, porque não, internacional – conciliado com a preservação do patrimônio ambiental do País. O produtor rural tem pleno conhecimento de que o seu sustento e o de milhares de brasileiros depende da terra e, não há como negar, ela é o seu maior bem.
Com efeito, os proprietários e possuidores de imóveis rurais são os maiores interessados em garantir que os imóveis rurais cumpram com a sua função social, o que, nos termos expressos do artigo 186, da Constituição Federal, implica não somente zelar pela adequada utilização dos recursos naturais nela existentes e a preservação do meio ambiente, como também, e isso não se pode esquecer, o seu efetivo aproveitamento, cumprindo com graus de produtividade e eficiência impostos por órgãos fundiários.
Nesse sentido, tem-se que a dificuldade não é conscientizar os proprietários e produtores rurais do seu papel essencial na preservação da natureza, mas fornecer-lhes os instrumentos claros e objetivos para que tenham a certeza de que, efetivamente, estão realizando suas atividades em conformidade com a legislação ambiental.
A esse respeito, veja-se que desde 25 de maio de 2012, quando foi promulgada a Lei nº 12.651/2012, o setor agropecuário vivia um verdadeiro limbo jurídico, em que, certo do fato de o Brasil ser detentor de umas das legislações ambientais mais avançadas e restritivas do mundo, viu-a ser amplamente contestada por setores mais radicais, inclusive perante o Supremo Tribunal Federal.
O ponto final sobre a questão veio somente em 13 de agosto de 2019, com a publicação do acórdão do julgamento que, de modo geral, pode-se dizer consagrou o Código Florestal como fruto de um processo democrático que, antes de tudo, privilegiou o desenvolvimento, mas somente sob a égide da sustentabilidade.
Fato é que somente sete anos após a sua publicação, tem-se a segurança jurídica necessária para a efetiva implementação do Código Florestal. Durante esse período, impediu-se que produtores sérios, preocupados com a regularidade de suas atividades econômicas e de suas propriedades pudessem, efetivamente, atender aos ditames da lei ambiental. Sofreu o proprietário, o empresário, os trabalhadores, a sociedade, o meio ambiente e, enfim, o Brasil. Paciência, como sempre, o setor produtivo fará o seu papel e correrá atrás do prejuízo, mas precisa ter garantida a máxima constitucional da segurança jurídica.
O que não se pode admitir, contudo, é que novamente o avanço da harmonização ambiental e socioeconômica seja fragilizado por notícias inverídicas. O dilema com o qual o país tem se defrontado, e que continuará a enfrentar nos próximos anos e décadas, é mais complicado do que o conflito entre os grupos que desmatam para a exploração de atividades econômicas e os que defendem a preservação.
Especificamente quanto aos incêndios ocorridos na Amazônia, como brasileiros, é evidente que não podemos ficar inertes. Devemos, todavia, reconhecer que a atual “crise”, fruto do desconhecimento e da pauta sensacionalista, somente será ultrapassada com o adequado reconhecimento de suas causas. O desmatamento visto na Amazônia é ilegal, fruto da criação de unidades de conservação jamais implementadas, da falta de fiscalização ambiental, dos problemas fundiários que, atualmente, parecem ser inerentes ao Brasil.
De acordo com dados do IBGE, no período de 2002-2011, o desmatamento na Amazônia totalizou 153.563 quilômetros quadrados (km²), o equivalente a 3% da área da Amazônia Legal. É interessante comparar esse resultado com o período de 1992-2001, onde se verificou um desmatamento ligeiramente maior, totalizando 175.058 km² e uma média de 17.506 km² ao ano. De fato, em 2019, houve um aumento no número de incêndios de 80% se comparado com 2018, no entanto, é apenas 7% maior que a média de incêndio dos últimos dez anos, sendo que não há evidências suficientes que comprovem que este aumento ocorreu na floresta Amazônica.
É notável que o Brasil obteve sucesso na redução do desmatamento na Amazônia nos últimos anos. No entanto, este avanço não está assegurado, pois recentemente as taxas de desmatamento deixaram de cair, mantendo uma média anual de 5,5 mil km² de área desmatada, entre 2012 e 2015. Se a sociedade clama por mudanças, por uma maior atenção às questões ambientais, devemos promover o Brasil, em conjunto com o agronegócio brasileiro, como uma das soluções, de que é possível produzir e preservar. Na própria Amazônia Legal, pelo artigo 12 do Código Florestal, os proprietários estão dedicando de 35% a 80% de suas terras rurais à conservação ambiental. Enquanto isso, a título de exemplo, temos diversos imóveis e residências em São Paulo que sequer implementaram a coleta seletiva.
É nítida, assim, a necessidade de implementação de medidas que não foquem só na redução do desmatamento, mas também na educação ambiental à sociedade civil, implementação de medidas de conservação dos estoques de carbono florestal e manejo florestal sustentável. Afinal, a obrigação de conservação da natureza é de todos nós.
*Vitória Carone Bellodi é advogada da área consultiva do escritório Bueno, Mesquita e Advogados, e pós-graduada em Direito Empresarial (LLC) pelo Insper; e por Nina Chaim Meloni, advogada da área ambiental do Bueno, Mesquita e Advogados, e mestranda em direito civil pela Faculdade de Direito da USP.
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