quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Em Santo André, Maurici defende políticas metropolitanas e nega atrito com candidatura local

Por Vitor Lima 

Mario Maurici Morais, 57 anos, é candidato a deputado estadual. Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), desde a década de 1980, Maurici é formado em Jornalismo e, em 1992, foi eleito prefeito de Franco da Rocha, cargo que ocupou até 1996 – antes, havia sido vereador no município.

Após a experiência no Executivo da cidade, Maurici foi convidado pelo então prefeito de Santo André, Celso Daniel, a compor o primeiro escalão de seu governo, como secretário de Comunicação, na gestão 2000-2004. Foi a partir daí que o postulante à Assembleia Legislativa se tornou conhecido da população do ABC.

Em 2002, em meio ao traumático sequestro e posterior assassinato de Celso, Maurici foi realocado na Secretaria de Governo. No exercício da função, o petista tornou-se o homem forte do novo prefeito, João Avamileno, que foi reeleito, em 2004, e cumpriu mandato até 2008.

Maurici já foi prefeito de Franco da Rocha e homem forte
de gestões petistas em Santo André; neste pleito, tentará
se eleger deputados estadual | Foto: Divulgação

Contudo, no fim da gestão de Avamileno, Maurici já não fazia parte do governo. Após conturbadas prévias no PT, para definir o nome que sucederia Avamileno nas urnas – na qual Vanderlei Siraque foi escolhido em detrimento a Ivete Garcia, esposa de Maurici – o hoje candidato e outros secretários deixaram o governo.

Após aproximadamente dez anos com moradia em Santo André, Maurici voltou a residir em Franco da Rocha. Seu filho, Kiko Celeguim (PT), é o atual prefeito da cidade, em segundo mandato.

Ontem (18), Maurici esteve em Santo André, onde passou todo o dia para cumprir compromissos de campanha. Pelo ABC, Maurici tem dobradas consolidas com Eduardo Leite, Ana do Carmo e Vicentinho, todos do PT.

A sua decisão de candidatar-se a deputado estadual desfalcou o grupo político do deputado estadual Luiz Turco (PT), de Santo André, que busca a reeleição. Alguns petistas da cidade, especialmente após a derrota de Carlos Grana na busca da reeleição para a Prefeitura, em 2016, se uniram ao projeto de Maurici e deixaram o grupo de Turco, que é muito próximo do ex-prefeito. “Eu não quero tirar votos dele (Turco), quero tirar votos da direita”, minimiza o candidato em entrevista ao Ponto Final, sobre suposto mal-estar criado por suas agendas políticas na cidade.

Durante o bate-papo, Maurici explicou as motivações de sua candidatura, defendeu a formulação de políticas públicas metropolitanas, o diálogo entre municípios e diz querer contribuir com o processo de reorganização do PT de Santo André. Confira os principais pontos da entrevista:

Ponto Final (PF): O que te motivou a buscar um cargo público novamente?

Mario Maurici (MM): Vou tentar resumir em três questões. Primeiro, a situação do País. A sensação que eu tenho é nós estamos retomando a agenda de antes dos governos do presidente Lula e da presidente Dilma. Agravada pelo fato de que nós estamos vivendo hoje um outro momento do capitalismo mundial. Momento em que os empregos cada vez mais de forma acelerada estão desaparecendo, inclusive algumas profissões. Essa nova agenda pede que quem acumulou mais experiência, quem tem compromissos mais firmes com a população mais pobre deste País, atue.

Outra razão é a própria situação vivida pelo PT. E não é só o desgaste que se manifestou de forma muito expressiva nas eleições de 2016. Nem o Brasil, nem os próprios quadros políticos do PT são os mesmos de 30 anos atrás, estamos num momento de transição geracional. Contribuir com esse processo também me atrai bastante.

E a terceira razão, é que eu acho que tem um aspecto que a cada dia se torna mais importante e que não está na agenda do Estado, não está na agenda dos políticos, que é a questão da metropolização do País. Você tem hoje um processo contínuo e avançado de metropolização e você não tem instâncias nem de governança, nem de formulação de políticas públicas de âmbito metropolitano. Os municípios têm se mostrado numa estrutura insuficiente para determinadas políticas, por exemplo, de mobilidade, saneamento integrado, destinação de resíduos sólidos, drenagem urbana. Os municípios têm se mostrado insuficientes para isso, porque essas questões não respeitam limite geográficos. E o Estado vê isso de uma forma muito distanciada.

PF: Eleito, como o senhor pretende trabalhar nisto?

MM: Trabalhar no debate junto à sociedade para acordar, despertar para esse tema. Junto as prefeituras para estimular a organização de consórcios, associação de municípios e agências de desenvolvimento regional.

PF: Aqui no ABC, o senhor deve ter acompanhado, Diadema saiu do Consórcio Intermunicipal e outras cidades estão se articulando para isso. O que a gente vê aqui, na verdade, é o enfraquecimento dessa postura que o senhor prega. O senhor, caso eleito, trabalhará para unir os municípios? 

MM: Eu tenho a sensação de que essa visão aqui no ABC é uma visão muito tacanha de achar que a discussão da regionalidade é uma discussão do PT, de governos petistas. Alguns gestores saem, mas com que compromisso, qual o propósito? Qual o argumento? É não ter mais uma discussão de planejamento regional?

PF: Eles argumentam que o Consórcio traz poucos resultados concretos para as cidades. O argumento é de que o órgão "pensa" muito e executa pouco. 

MM: Trazer pouco resultado é falta de empenho. Tem muita coisa que avançou aqui no ABC em função dessa discussão regional. A minha sensação é que alguns gestores municipais do ABC entendem que fortalecer o Consórcio é fortalecer uma visão mais ligada ao PT da sociedade. É uma represália e dane-se a população, os objetivos da coletividade.

PF: Uma das funções importantes dos parlamentares é o envio de verbas, especialmente agora, momento em que os municípios estão em situação financeiras delicadas. Aqui no ABC, algumas entidades se uniram e criaram a campanha "Quem é do ABC, vota no ABC", para que aumente o número de representantes daqui e o envio de verbas seja maior. O seu maior reduto eleitoral é Franco da Rocha e região. Caso eleito, o senhor vai se comprometer em enviar verbas para cá? Como funcionará essa questão da distribuição de verbas?

MM: Muito da minha formação eu devo a Santo André. Eu vivi 10 anos da minha vida aqui. Fiquei 7, 8, quase 9 anos na Prefeitura Municipal de Santo André. Tenho relação aqui com pessoas, tenho referências culturais, políticas, de amizade aqui na região.

Agora, mandar recursos de emenda é uma questão menor. Vamos mandar? Vamos, mas é uma questão menor. A questão maior é interferir na direção do governo do Estado para que ele olhe para a região do ABC com os olhos de quem precisa revigorar essa região.

Maurici cumpriu agendas de campanha durante todo o dia em Santo André | Foto: Reprodução
PF: Na sua opinião, quais as maiores demandas do ABC?

MM: É preciso encontrar um novo caminho de desenvolvimento. Nós já estamos entrando na quarta revolução industrial. A região do ABC é uma região de ponta neste aspecto no Brasil e ela precisa, de novo, continuar na ponta.

PF: O senhor tentaria impulsionar o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia?

MM: Exatamente. Em especial Santo André que deve a sua industrialização a fase inclusive anterior, porque São Bernardo vem com a indústria automobilística e, em Santo André, a matriz é anterior, com fertilizantes, com química. Muita coisa mudou na estruturação produtiva destes setores. Agora, você tem aqui uma mão-de-obra altamente especializada, a presença de universidades. Aliás, a própria Universidade Federal do ABC (UFABC), claro que foi criada pelo presidente Lula, mas foi um sonho acalentado e desenvolvido no conceito de regionalidade. Então nós temos aqui uma série de recursos que precisam ser aproveitados. É aqui que nós temos as melhores condições de educação, de formação, para entrar nesta quarta revolução industrial.

PF: Vamos falar de política. O senhor era muito ativo em Santo André na época dos governos do Celso Daniel e do João Avamileno. O último governo petista aqui, do Carlos Grana, teve uma derrota histórica, a maior derrota da história do partido na cidade. O prefeito eleito, Paulo Serra, obteve 80% dos votos. Eu sei que senhor não estava na cidade no período, mas com certeza acompanhou o que aconteceu. Na sua opinião, o que deu errado na gestão do PT para ter uma derrota tão significativa?

MM: Você reparou em como você formulou a pergunta? Houve uma derrota do PT e que 80% dos votos foram para o Paulinho. Quem perdeu foi o partido, mas quem ganhou foi a pessoa, o Paulinho. É um cacoete que nós todos temos ao discutir o PT. Eu diria o seguinte: a bancada do PT na Câmara Municipal não diminuiu, continuou com cinco vereadores. Por que a gente atribui a derrota ao PT local e não ao quadro nacional que a gente viveu? O PT continua vivo com o mesmo nível de representação. Perdeu o governo, é verdade. Agora, nós perdemos em todos os lugares, com exceção de um, Franco da Rocha. Eu acho que a situação de fragilidade que o PT viveu naquele momento, da qual ele já está se recuperando, foi o que se abateu sobre Santo André.

PF: O senhor tem um grupo de apoiadores em Santo André que na outra eleição apoiaram o deputado Luiz Turco e seria natural que eles continuassem com ele, que tenta a reeleição, até pelo fato dele ser da cidade. Mas alguns militantes foram para o seu lado, e não há nada de errado nisso. Mas houve uma conversa, antes da eleição, para que o senhor não viesse, entre aspas, tirar votos do Turco em Santo André? 

MM: Olha, eu tenho uma excelente relação com o Turco. E eu não quero tirar votos dele, quero tirar votos da direita.

PF: Mas o fato do grupo dele ter sido desfalcado com apoios ao senhor e o fato do senhor vir para cá, fazer campanha em Santo André, não prejudica a candidatura dele, mesmo que indiretamente?

MM: Veja só: na eleição passada, praticamente todo o PT de Santo André, apoiou o Luiz Turco. Era impossível ter uma outra candidatura. Naquele momento a gente tinha o governo, era importante para o governo ter uma candidatura muito ligada a ele, tinha toda uma razão nesse sentido, e hoje eu não sei se há.

Minha ideia é contribuir com o PT de Santo André. Não é um momento fácil. O momento que sucede uma derrota eleitoral é sempre um momento difícil, de rearticulação, de reorganização, e eu quero contribuir com este processo. Eu não acho, honestamente, que eu vá tirar votos do Luiz Turco.

PF: Perguntei isso porque na década passada, e o senhor viveu muito intensamente isso, o PT teve uma grande crise na cidade, uma grande fragmentação, que deixou cicatrizes até hoje. Vanderlei Siraque, que era um quadro importante na cidade, mudou de partido. Não há um risco de fragmentar novamente o partido, de fato que ele chegue na próxima eleição mais fraco? 

MM: Essa fragmentação que você fala, não foi exatamente uma fragmentação. Foi uma disputa interna que resultou numa divisão e nós perdemos a eleição, mas rapidamente no momento seguinte nós retomamos o governo com o Grana. São coisas da política.

Com relação a essa história de ser ou não daqui, eu acho que é uma maneira muito complicada de ver isso. Não é por aí que você mede o compromisso dos mandatos com as regiões. Eu, por exemplo, quando assumi a Secretaria de Governo, em 2002, uma semana antes do assassinato do prefeito Celso Daniel, assumi com responsabilidade de ajudar o então vice-prefeito João Avamileno a manter o grupo reunido pelo prefeito Celso Daniel junto e levar o programa de governo adiante. E, além disso, ainda responder a suspeitas sobre a morte do Celso e a maneira de como se geria a Prefeitura.

Naquele momento ninguém reclamou que eu não era daqui. O que que eu preciso fazer para ser daqui? Qual é o problema? Você vive dez anos aqui, constrói política aqui, ajuda na gestão, mantém relações locais... qual é o problema? Para mim isso não é determinante. Pode ser determinante numa região como a de Franco da Rocha, que nunca elegeu um deputado, que nunca teve uma representação. Aquela é uma região sub-representada, mas não é o caso do ABC.

PF: Sobre o cenário nacional, como o senhor avalia a estratégia do PT de levar a candidatura do Lula até a última possibilidade?

MM: Ontem saiu a pesquisa (de intenção de votos) e o processo de transferência de intenção de votos do presidente Lula segue firme em direção ao Haddad. Já dá para imaginar, se nada de muito absurdo acontecer nos próximos 20 dias, o segundo turno será entre o candidato do PSL (Jair Bolsonaro) e o Fernando Haddad.

PF: E o senhor avalia que o PT sairá vencedor? 

MM: Acho que sim, mas não acho que haverá uma agenda fácil para depois das eleições. Eu acho que só vale a pena voltar a governar no País se for para aprofundar a radicalização de algumas coisas. Vou te dar um exemplo. A reforma do sistema eleitoral. O nosso sistema eleitoral é que promove essa coisa de caixa 2, de venda de votos e de apoio, essa corrupção que está posta. Não está posta nos últimos 10, 20 anos. Está posta desde sempre. Se nós, PT, erramos, erramos em não denunciar esse modelo, em não brigar para mudar esse modelo. E nós precisamos fazer isso agora. Não dá para manter do jeito que está.

PF: Mas o PT não denunciou porque era beneficiado também. 

MM: Passou a se beneficiar. Pois é... tinha uma opção a ser feita: denuncia ou se beneficia. Acho que fizemos a segunda opção. Errada, incorreta. Temos que rever isto. E como é que nós vamos fazer isso? Acho que vamos ter que usar os mecanismos de democracia direta, referendo, plebiscito.


Nenhum comentário:

Postar um comentário